ENTRE O VISÍVEL E O INVISÍVEL
Ricardo Barbosa
Diariamente os jornais, telejornais, revistas e conversas com amigos nos inundam de informações sobre as realidades do mundo. Estas leituras e conversas geralmente giram em torno das crises pessoais e familiares, econômicas e políticas. Fazem parte da pauta de nossos assuntos preferidos as guerras, a violência urbana, a corrupção política, as injustiças sociais, as crises familiares e o medo do desemprego. São temas bem reais, visíveis - estão aí, diante de nós, todos os dias. Não podemos fugir deles.
Estas realidades visíveis determinam não apenas a agenda das conversas, mas também a agenda emocional. Elas criam o medo, a ansiedade, tornam-nos mais apreensivos, confusos e assustados. Nunca a humanidade sentiu tanto medo como hoje. É o medo da enfermidade incurável, da guerra bacteriológica, do colapso econômico, do desemprego. Este medo é proporcional ao volume de informações que recebemos. Para muitos, o mundo deixou de ser um lugar tranquilo para se viver. A plataforma que nos ajuda a enxergar e compreender o mundo são as notícias e as conversas derivadas delas. As notícias mostram o cenário visível, real, onde todos nós vivemos. Um cenário assustador e sombrio.
O apóstolo Paulo, distante de nós quase vinte séculos, também viveu num cenário semelhante. Certamente não haviam tantas informações como temos hoje, mas a sensação de vulnerabilidade e fragilidade pessoal diante das grandes ameaças era tão intenso quanto hoje. Ele mesmo descreve que sentia-se pressionado, perplexo, perseguido e abatido. Não havia segurança nem certezas. Encontrava-se física e emocionalmente no limite da sua resistência. No entanto, embora as realidades visíveis provocassem nele toda sorte de perplexidade e abatimento, ele reage não se deixando contaminar pelo desânimo, pelo desespero ou pela sensação do abandono.
A reação de Paulo às realidades visíveis, resistindo às suas pressões e seu poder, foi construída por outras realidades menos visíveis, algumas completamente invisíveis. A leitura do mundo para Paulo não era determinada apenas pelas notícias dos jornais do dia, mas, sobretudo, pelas ações não noticiadas do soberano Deus.
Paulo diz que "mesmo que o homem exterior se corrompa, o homem interior se renova de dia em dia". O homem exterior, o corpo, o esgotamento físico, as marcas do sofrimento e da dor, é visível. Pode-se perceber sem muito esforço o desgaste externo. Este desgaste é o resultado das perplexidades, perseguições e abatimentos causados pelas crises relacionais, pelas injustiças sociais, pelas corrupções da política e pela desordem econômica. As realidades visíveis causam dor e sofrimento, abatem o corpo e minam nossas resistências.
Mas há uma realidade interior, não visível, que nos renova de dia em dia. Uma realidade que resiste às pressões, que não se deixa desanimar diante das perplexidades, que nos faz sentir amparados e acolhidos diante das perseguições e tribulações. São realidades não noticiadas, nunca aparecem nas manchetes, não aumentam a audiência da TV nem a tiragem dos jornais. São realidades que tornam, na linguagem quase irônica de Paulo, "nossa leve e momentânea tribulação" em "eterno peso de glória, acima de toda a comparação".
É por causa destas realidades invisíveis que Paulo afirma que não desanima. São realidades que nos permitem caminhar e sonhar a despeito daquilo que acontece a nossa volta e que corrompe nosso físico e consome nossas energias. O profeta Isaías, alguns séculos antes de Paulo, diante da perplexidade do seu povo ao achar que Deus os havia abandonado e que não se importava mais pelo que acontecia com eles e nem pelas injustiças que estavam sofrendo, responde dizendo: "Será que vocês não sabem? Nunca ouviram falar? O Senhor é o Deus eterno, o Criador de toda a terra. Ele não se cansa nem fica exausto; sua sabedoria é insondável. Ele fortalece o cansado e dá grande vigor ao que está sem forças. Até os jovens se cansam e ficam exaustos, e os moços tropeçam e caem; mas aqueles que esperam no Senhor renovam suas forças. Voam alto como águias; correm e não ficam exaustos, andam e não se cansam".
Havia uma outra realidade maior e mais definidora do que aquela que estavam acostumados a ver, uma realidade invisível, determinada por um Deus eterno, que dava a todos os que criam nela um ânimo e uma disposição que ninguém conseguia compreender.
Para Paulo, havia também uma realidade invisível que dominava sua vida. Ele afirma que "fixava seus olhos, não naquilo que se via, mas naquilo que não se via, pois tudo o que se via era transitório, mas o que se não via, era eterno". Seus olhos estavam postos na ressurreição, na realidade invisível da vida eterna. A plataforma sob a qual Paulo contemplava o mundo era a plataforma das realidades eternas e invisíveis, daquilo que só podia ser visto e percebido com os olhos da fé.
Os jornais ou a TV não vão colocar em suas manchetes nenhuma nota sobre o poder da ressurreição ou a maquete da nossa casa eterna nos céus. Eles não se preocupam com o tribunal de Cristo diante do qual todos nós um dia estaremos, nem noticiam as boas obras praticadas em nome e por amor a Cristo. No entanto, são estas realidades invisíveis que renovam o homem interior, que fortalecem nossos passos, que nos dão asas para voar como as águias e que nos preservam animados e dispostos num mundo dominado pelas notícias e conversas que deprimem e corrompem.
Ricardo Barbosa de Souza é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília.
Eclésia, Ano 5 – No. 51 – Novembro/2001